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sexta-feira, 25 de março de 2011

Dialética Idealista

Hegel (1770-1831)

Contexto Histórico:

- Passagem do século XVIII para o Século XIX

“A classe média alemã”, diz Marcuse, “fraca e dispersada em numerosos territórios com interesses divergentes, dificilinente poderia projetar uma revolução. Os poucos empreendimentos industriais existentes eram como que ilhas dentro de um sistema feudal que se eternizava. O indivíduo, em sua existência social, ou era escravizado ou escravizava seus semelhantes.”

Apesar disso, esse indivíduo podia ao menos perceber, enquanto ser pensante, o contraste entre a realidade miserável que existia por toda parte e as potencialidades humanas que a Revolução Francesa liberava, e, como pessoa moral, poderia preservar a dignidade e a autonomia humanas, pelo menos em sua vida privada. Assim, enquanto a Revolução Francesa começou por assegurar a realização da liberdade, à Alemanha coube apenas se ocupar com a idéia de liberdade. Suas classes “educadas”, por não exercerem nenhuma ocupação prática, encontravam-se incapacitadas para tentar a reforma da sociedade. O mundo da ciência, da arte, da filosofia e da religião não lhes oferecia satisfação, como também tornara-se, para elas, a “verdadeira realidade”, transcendentes às miseráveis condições da sociedade. A cultura era, então, essencialmente idealística, ocupada com a idéia das coisas, mais do que com as próprias coisas.

Assim, na opinião de Hebert Marcuse, a filosofia clássica alemã (Kant, Fichte, Schelling, Hegel) construiu grandes sistemasem resposta ao desafio vindo da França à reorganização do Estado e da sociedade em bases racionais, de modo que as instituições sociais e políticas se ajustassem à liberdade e aos interesses do indivíduo”. Ainda segundo Marcuse, entre esses sistemas, o de Hegel constitui “a última grande expressão desse idealismo cultural, a última grande tentativa para fazer do pensamento o refúgio da razão e da liberdade”. Hegel vai continuar, como os filósofos modernos, a falar da autonomia da razão, por isso ele fez uma Filosofia como tarefa de apontar a liberdade do homem.

Razão

O idealismo hegeliano propõem um novo conceito de racionalidade: a Razão infinita, absoluta e criadora, também chamada idéia, Espírito; uma racionalidade universal que guie e unifique o destino da humanidade e na qual possa enquadrar o individuo sem renunciar à sua independência e liberdade, condição inerente do desejo de realização dos homens.

A razão para Hegel, não é apenas como em Kant, o entendimento humano, ou seja, o conjunto de regras segundo os quais pensamos o mundo. A razão é a própria realidade, a essência do próprio ser. O que há de original é que para ele a idéia se manifesta como processo histórico. “A história universal nada mais é do que a manifestação da razão”.

- Kant: Defende o caráter finito e limitado da razão humana.

- Hegel: nega a coisa-em-si como algo exterior e transcendente (ultrapassa os limites) a razão. Tudo o que existe pode ser conhecido.

História governada pela Razão

Para o idealismo alemão, a Razão infinita, absoluta, criadora, tem caráter histórico e constitui o sentido dos eventos históricos. A história é governada pela Razão e, apesar de parecer caótico, é o cumprimento de um plano racional. Hegel vai dizer quetudo o que é real é racional e o que é racional é real”, as coisas são manifestações da razão. O mundo corresponde às diversas manifestações da razão, é a razão na sua alteridade (transformação/mudança).

A razão segundo o filósofo, tem por objetivo realizar um processo que é o espírito Absoluto, a consciência da razão. O pensamento sai de si e tem de se manifestar (...). As coisas existentes são realizações da razão, tudo corresponde às diversas concretizações da razão, a razão tem energia, como gérmen de manifestação.

Os temas da filosofia idealista têm um ponto comum a valorização da razão, o sentido da existência do ho- mem, da liberdade e da autonomia. A razão é infinita nos seus poderes, é através da razão que a filosofia se manifesta. Para Hegel, quem governa o mundo é o pensamento, uma vez que a realidade é o próprio pensamento que se manifesta, assim, a realidade é uma manifestação do pensamento. O pensamento expandiu-se pelo mundo, o mundo é como que uma forma do pensamento. Tudo traduz o pensamento, o pensamento unifica, ordena tudo; a ação é governada pelo pensamento.

A lógica dialética de Hegel

Segundo Hegel, existe formas de pensar a realidade, ou seja, momentos da reflexão lógica, como as Lógicas Tradicionais ou clássicas que é fundada no principio da Identidade, por outro lado, têm a Lógica Dialética que afirma a contradição como superior á Identidade. Vamos a alguns conceitos.

- Método: é o modo como pensamos e tem de se adequar ao que pensamos; o método aponta para uma constituição da identidade ou coincidência entre o que pensamos e aquilo que é.

- Absoluto: é algo que se realiza, que ganha consciência de si negando-se a si mesmo, assumindo ou transformando-se no contrário de si; o oposto é um momento. Pensar o Absoluto é expor conceptualmente o que ele é, o modo como se faz ou realiza; o que impõe que pensemos dialeticamente, o método acompanha o conteúdo.

Qual o principio que orienta o modo de pensar o entendimento? O princípio da identidade. Uma coisa pode ser idêntica a si própria e nada mais: A é A; A vida é a vida; a morte é a morte; o infinito é infinito.

O princípio da identidade, entendimento, rejeita a contradição. Pensar que o Infinito se possa tornar finito é, para o entendimento absurdo, ilógico (a semente é flor; a vida é morte), o entendimento isola, separa. Dizer que a semente é e não é semente, é para o entendimento absurdo, é anulá-la, é reduzi-la ao nada. O entendimento sendo insensível ao tempo não compreende a unidade dos contrários (lembremos Parmênides).

A Razão pensa de modo diferente, diz que a contradição não é uma falha, tampouco um erro, é uma forma das coisas manifestarem a sua vitalidade ou dinamismo, por isso é dialética, que as coisas não existem fechadas em si mesmas, cada coisa exige a existência de seu contrário para se definir a si mesma. A Razão é a realidade profunda das coisas, a essência do próprio Ser. Ela é não um modo de pensar as coisas, mas o próprio modo de ser das coisas. “O racional é real e o real é racional”.

Hegel é o filósofo idealista por excelência, uma vez que, para ele, o fundo do Ser, longe de ser uma coisa em si inacessível, como entendia Kant, é, em definitivo, Idéia, Espírito. Pensar a realidade segundo o princípio de contradíção é pensá-la de forma dinâmica. Para o dialético cada coisa transporta em si o seu contrário e nele se transforma, é uma relação íntima com o seu contrário.

Dialética Idealista

O sistema dialético é o modo como se realiza o progresso da razão. Três momentos estão em destaque: a tese, a antítese e a síntese; é uma lei de desenvolvimento baseada na contradição. O nosso espírito baseia-se nesta contradição, porque é imperfeito, por conhece a realidade apenas parcialmente, porém, deseja-a conhecê-la na sua totalidade. A dialética para Hegel é o procedimento superior do pensamento é, ao mesmo tempo, “a marcha e o ritmo das próprias coisas”.

Para Hegel, a contradição é o próprio motor do processo de evolução do real: toda afirmação aparece como momento provisório que deve ser necessariamente negado para ser ultrapassado. Cada estágio fenomenal, cada estado individual ou coletivo, cada figura do real não vai permanecer idêntico a si mesmo o tempo todo: necessariamente, pela força do conflito interno, é impelido para se transformar no seu contrário. Mas também não fica muito tempo, pois é de novo lançado rumo a sua própria negação que envolve a recuperação dos aspectos positivos do primeiro momento e a criação de uma nova configuração.

Uma realidade avança e se realiza porque contém em si uma contradição (ou seja, tem em si a sua negação) que tem de superar. A vida como totalidade, o viver individual e geral é realizar algo superando contradições. Vejamos alguns exemplos:

1)

Todas as coisas encontram-se intimamente ligadas na sua oposição; é pela negação de si mesma que a planta se realiza. A unidade dos contrários: botão, flor e fruto, formas distintas que se repele, que se negam mutuamente por serem incompatíveis, mas que permite o desenvolvimento da totalidade. Portanto, qualquer realidade é um resultado, uma mediação dialética: realização da realidade por meio da negação dos seus momentos. A negação é uma superação. Superar significa conservar o que é negado integrando-o numa totalidade para cuja realização se contribui. A planta é a totalidade. A totalidade que se realiza é a unidade ou a ligação dos diversos momentos (semente, flor, fruto) sem os quais, sem o devir ou movimento dialético dos mesmos não seria compreensível nem verdadeiramente real.

2)

Podemos tomar outro exemplo, bem simplificado, o caso da formação do ser humano individual. A formação que começa no estágio da infância, é o momento da tese: é o instante da vida infantil, a criança é um organismo vivo que mal se desprega do mundo natural, como que prolongando sua vida uterina, confundindo-se com o mundo que o envolve não se distinguindo dos objetos.

Mas, na vida do ser humano, esse estágio é logo negado pelo estágio da adolescência, que seria o instante da antítese: Esse é o estágio em que o indivíduo se nega como criança, recusa a condição infantil e se representa como absolutamente autônomo, quer viver como se não dependesse de mais ninguém. Daí os famosos conflitos. Nega tudo quer representa questionamento dessas suas autonomia, rebela-se contra toda autoridade. Nega para se afirmar num outro patamar.

Mas eis que chega a idade adulta, esse estágio é o momento de síntese: o que é de fato amadurecer, ser adulto? É dar-se conta de que não se é mais nem tão dependente do outro (como vivencia a criança) nem tão independente em relação ao outro (como excedia o adolescente): o adulto é um ser autônomo dentro de limites objetivos que condicionam todo indivíduo humano.

3)

Para complementar nosso aprendizado, vejamos um exemplo célebre da dialética hegeliana; trata-se de um episódio dialético tirado da Fenomenologia do Espírito, o do senhor e o escravo, que será um dos pontos de partida da reflexão posterior de Karl Marx. Dois homens lutam entre si. Um deles é pleno de coragem, aceita arriscar sua vida no combate, mostrando assim que é um homem livre, superior à sua vida. O outro que não ousa arriscar a vida, é vencido. O vencedor não mata o prisioneiro, ao contrário, conserva-o cuidadosamente como testemunha e espelho de sua vitória. Tal é o es cravo, o “servo”, aquele que, foi conservado. Vejamos esse evento dialeticamente.

I. O senhor obriga o escravo, ao passo que ele próprio goza os prazeres da vida. O senhor não cultiva seu jardim, não faz cozer seus alimentos, não acende seu fogo: ele tem o escravo para fazer tudo isso. O senhor não conhece mais os rigores do mundo material, uma vez que interpôs um escravo entre ele e o mundo. O senhor, porque o reconhecimento de sua superioridade no olhar submisso de seu escravo, é livre, ao passo que este último se despojado dos frutos de seu trabalho, numa situação de submissão absoluta.


II. Entretanto, essa situação vai se transformar dialeticamente porque a posição do senhor abriga uma contradição interna: o senhor o é em função da existência do escravo, que condiciona a sua existência. O senhor o é porque é reconhecido como tal pela consciência do escravo e também porque vive do trabalho desse escravo. Nesse sentido, ele é uma espécie de escravo de seu escravo.

III. De fato, o escravo, que era mais ainda o escravo da vida, pois foi por medo de morrer que o fez submeter, do que o escravo de seu senhor vai encontrar uma nova forma de liberdade. Colocado numa situação infeliz em que conhece provações, aprende a se afastar de todos os eventos exteriores, a libertar-se de tudo que o oprime, desenvolvendo uma consciência pessoal. Mas, sobretudo, o escravo incessantemente ocupado com o trabalho, aprende a vencer a natureza ao utilizar as leis da matéria e recupera certa forma de liberdade (o domínio da natureza) por intermédio de seu trabalho. Por uma conversão dialética exemplar, o trabalho servil devolve-lhe a liberdade. Desse modo, o escravo, transformado pelas provações e pelo próprio trabalho, ensina a seu senhor a verdadeira liberdade que é o domínio de si mesmo.

Este movimento de evolução e transformação por contradição é o processo dialético que permite assim vencer as próprias contradições. E para Hegel este era um movimento presente tanto no real como no pensamento; como filósofo e metafísico idealista, fez a fusão entre o ser e pensar numa unidade. Com efeito, entendia que a substância da realidade era o próprio espírito, a Razão, a Idéia. Tudo o que existe é uma manifestação da Idéia que está evoluindo rumo ao Espírito. Por isso, a natureza física assim como a sociedade humana são apenas figuras e representações do Espírito. É que a totalidade do real, num primeiro momento, é a Idéia (tese); num segundo momento, é a Natureza (antítese), negação da Idéia; num terceiro momento, é o Espírito (síntese), negação / retomada / superação da Idéia e da Natureza.

Portanto, Hegel inverte as posições: é o ideal que explica o real e não o contrário. Para ele, nãomais distinção entre o real e o racional, entre ser e pensamento, entre sujeito e objeto.